Existiram objetos semelhantes a xícaras, ou seja, tigelas com alças, na Grécia de dois mil anos atrás. Também haviam objetos parecidos com canecas feitos por povos pré-colombianos. Mas, quando o chá começou a ser popularizado na Europa, principalmente na Inglaterra, vindo do oriente, vieram junto as porcelanas chinesas e japonesas. Assim, o chá, inicialmente, era tomado em tigelas (bowl em inglês, bol em francês), da mesma forma que faziam os orientais.
As primeiras imitações das tigelas orientais feitas na Europa surgiram em Rouen (cidade onde Jeanne D’Arc foi queimada, na França) e, depois, na Alemanha, e não tinham alças. Mas o chá era servido na Europa bem mais quente que na China. Acontece que o arquiteto inglês Robert Adam, em 1750, preocupado e incomodado com as pessoas queimando os dedos, sugeriu ao seu amigo, o ceramista Josiah Wedgwood, a colocação de alças nas tigelas. Estava criada a xícara de chá como a conhecemos. A firma Wedgwood & Sons, fundada em 1759, prosperou e ainda fabrica peças de porcelana (ou faiança, um tipo inferior de cerâmica, mas mais resistente que a porcelana). Robert Adam foi o arquiteto responsável pelo projeto da fábrica de Wedgwood. Algumas peças de Wedgwood, do século XVIII, estão expostas no MOMA, Museu de Arte Moderna de New York. Posteriormente, a louça inglesa, e principalmente a xícara, virou um símbolo da Era Vitoriana pois mostrava a excelência da indústria deste país, mas que explorava sem piedade o trabalho infantil (ver Child labour in Britain, 1750-1870, de Peter Kirby). Ironicamente, a Wedgwood & Sons enfrentou uma crise financeira em 2008 e foi obrigada a transferir parte da sua produção para a… Ásia!
Mas na frança, que esteve em guerra com a Inglaterra justamente na época da criação da xícara com alças, a chamada guerra dos 7 anos, continou sendo usada a tigela (bol). E até hoje é muito comum, e tradicional, na França, tomar chá e café, pela manhã, nestas tigelas (bols). Provavelmente houve uma resistência ao produto identificado com os ingleses, uma anglofobia. Os franceses preferiram continuar queimando os dedos, ou tomando o líquido mais frio, do que se render a um costume inglês. Existem outros costumes que revelam esta anglofobia, e também a francofobia, do lado inglês. Por exemplo, o sentido da circulação dos carros, na Inglaterra é do lado esquerdo da pista, o que se chama de mão inglesa, em oposição à mão francesa, do lado direito. Outro exemplo é a expressão “saída à francesa” (take french leave), que foi criada pelos ingleses. E a simétrica expressão “saída à inglesa” (filer à l’anglaise), surgida no mesmo período, na França. No Brasil, a expressão “sair à francesa”, sair desapercebidamente, é mais popular que a versão “sair à inglesa”.
Imagem abolicionista: "Eu não sou um homem e um irmão?"
Uma curiosidade é que Charles Darwin era neto de Wedgwood. Outra curiosidade é que Wedgwood foi um ativista da abolição da escravatura (Darwin não precisava se envergonhar do avô). É fato que, se os franceses queimaram mais os dedos que os ingleses, sujaram menos as mãos com o trabalho escravo e o trabalho infantil, pois no fim do século XVIII já discutiam os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. A Inglaterra, por outro lado, ainda dominava o mercado mundial de escravos. E, como se sabe, o Brasil era um dos principais consumidores deste abominável “produto”. Porém, no início do século XIX, a Inglaterra mudou de idéia, proibiu este comércio e começou a pressionar o Brasil para que fizesse o mesmo. Assim, foi firmado, em 1810, o “Tratado de Comércio” com a Inglaterra. Por força do tratado, produtos ingleses sofriam uma taxa menor de importação que os de outros países. O Brasil não comprava mais escravos da inglaterra. Ficou folclórica a compra de patins de gelo ingleses, dentro deste acordo. O Brasil também comprou muita louça inglesa. Inclusive xícaras, adotadas por aqui sem nenhum problema. Mas a Côrte luso-brasileira achava chic mesmo os produtos franceses, principalmente roupas. Aliás, chic é uma palavra francesa, provalmente surgida com o sentido de elegante no fim do século XVIII. Será que, quando a família real portuguesa foi transferida para o Brasil, alguém teria afirmado que eles não estavam fugindo, mas saindo à francesa, o que seria mais chic? Curiosamente, esta vinda da Côrte Portuguesa tem como pano de fundo os conflitos entre a França e a Inglaterra.
Também poderíamos falar do garfo, uma novidade provalmente surgida na Itália, e que demorou séculos para ser adotada no resto da Europa. Antes dele, usava-se duas facas para comer, o que obviamente não era prático. Mas ingleses e franceses achavam esnobe demais usar o garfo, embora os franceses tenham resistido mais dois séculos que os ingleses, antes de adotar este talher, que então só tinha dois dentes. Bom, fica para outro post.